Há uma ilusão persistente que permeia nossa época: a de que a prosperidade material é um sinal inequívoco de que Deus aprova nossos caminhos. Abundância se confunde com bênção, desempenho com missão, fluidez com fidelidade. Como se o Criador se expressasse apenas por facilidades e nunca por desertos.
Mas a história — tanto o que lemos nos livros quanto o que sentimos na carne — mostra o contrário. Muitos seguiram caminhos repletos de frutos visíveis e, ainda assim, se perderam. Outros foram podados com dureza e, ainda assim, floresceram onde ninguém viu.
Nem toda porta aberta vem de cima. E nem todo fechamento é castigo. Há escolhas que rendem lucros e iração, mas operam em desacordo com a alma. Há conquistas que nos distanciam de quem somos — e quanto mais avançamos nelas, mais nos sentimos deslocados de nossa própria história.
Considere o homem que construiu um nome respeitável, sustenta a família, contribui para a paróquia, mas confessa secretamente que sente a vida escapar por entre os dedos. Ou a mulher que, depois de alcançar a estabilidade que todos invejam, acorda todos os dias com uma angústia sem motivo aparente — como se algo essencial estivesse faltando, mas sem nome.
Essa inquietação é frequentemente um sinal de que a vocação está sendo ignorada. E a vocação não é um sentimento vago, nem uma habilidade proeminente. É um chamado silencioso que nos percorre e ordena o que somos em direção ao que deveríamos ser. Ela fala através da alegria silenciosa que sentimos em certos gestos simples, através da luminosidade que nos visita em certas situações, através da paz que surge quando fazemos o que "não traz retorno", mas faz sentido.
A vocação às vezes se revela em um traço quase imperceptível: o professor que nos comove ao explicar algo aparentemente trivial; o jardineiro que, ao cuidar das plantas, zela pelo silêncio ao seu redor; a mãe que, ao contar histórias para os filhos, redescobre a própria voz. É nesses momentos que o ser toca seu eixo — e tudo se alinha, mesmo que o mundo não perceba.
Mas esse reconhecimento exige purificação. Porque crescemos treinados para buscar o que produz resultados, não o que revela a verdade. E o critério dominante — “se está dando certo, é de Deus” — precisa ser superado. Deus não age para nos agradar, mas para nos santificar.
Por isso, o caminho vocacional nem sempre será fácil, prático ou proveitoso. Pode envolver o abandono de uma carreira segura. Pode envolver o desapego de uma imagem construída com esforço. Pode nos levar a territórios internos que evitamos por anos. Mas é nesse desconforto inicial que o chamado começa a se tornar claro. A alma se sente estranha porque está voltando para casa.
Há quem inicie essa jornada discretamente. O profissional de sucesso que decide ouvir mais e fazer menos. O jovem que interrompe um curso irado para servir em uma comunidade esquecida. O empresário que, em vez de expandir sua loja, começa a estudar teologia à noite. Nada disso impressiona as multidões — mas transforma destinos.
A vocação não se trata necessariamente de mudar de profissão. Trata-se de mudar o eixo a partir do qual se vive. A mesma atividade pode ser opressiva quando movida pela vaidade — e libertadora quando aceita como missão. É a intenção, a dedicação, a escuta que fazem de uma profissão um caminho espiritual.
No fim das contas, viver a própria vocação é aceitar ser quem se é diante de Deus. Não é autopromoção, mas consentimento. Não é prazer constante, mas significado profundo. Não é facilidade, mas fidelidade. E, quando atendida, a vocação nos traz de volta à realidade. Torna nossa presença curadora, nossas palavras frutíferas, nossa vida um sinal.
Um homem ou mulher assim não precisa convencer ninguém. Por onde ele ou ela a, algo se pacifica. Porque sua coerência com a realidade é maior que seu sucesso diante dos outros.
Orlando Morais JR. é jornalista e filósofo