O mês ainda não terminou, mas sinto-me aliviado por ter cumprido as tarefas mais difíceis do ano.
Agora quero apenas deixar o corpo boiar nas águas calmas do rio Cuiabá até o final de dezembro.
Tenho um marco importante a comemorar no início de julho: meus noventa anos.
Quero chegar lá com, ao menos, meus exames de saúde em ordem.
O maior presente será aquele que vier do Papai do Céu.
Espero ver minha família crescer unida e com saúde.
Depois, quem sabe, sonhar em chegar ao centenário lúcido, colhendo os frutos que a Regina plantou comigo.
Os primeiros meses dos anos são sempre trabalhosos, sufocados por uma burocracia que não para de crescer — certamente inventada por gênios do labirinto.
Complicaram as coisas mais simples, tudo em nome da modernidade e do controle dos recursos do Tesouro Nacional.
E, ironicamente, nunca se roubou tanto como agora, apesar de tanta papelada.
É IPTU, Imposto de Renda, Carnê-Leão, plano de saúde, condomínio, energia elétrica, gás, taxas bancárias, Somatem, sindicatos, internet, telefone, manutenção do apartamento... e tantas outras miudezas.
Como não possuo automóvel, estou livre do IPVA.
No segundo semestre, restam os compromissos assumidos no início do ano.
O alívio que sinto é ilusório: apenas baixou a pressão que me oprimia.
Se não fossem as visitas semanais de filhos, netos e bisnetos, não sei como seria a minha vida.
São eles que me trazem a alegria de viver, sempre com alguma novidade para contar.
Alguns já moram bem distantes da minha casa — embora eles tenham uma noção de distância bem diferente da minha.
Quero estar próximo de tudo que necessito: padaria, farmácia, consultório médico, laboratórios, hospitais, restaurantes, shoppings.
Os modernos condomínios são ótimos para crianças brincarem ou para milionários com frotas de veículos a serviço.
Alguns têm até campo de pouso concretado para jatinhos...
De minha parte, vou apenas deixar o tempo ar.
Gabriel Novis Neves é médico, ex-reitor da UFMT e ex-secretário de Estado